Celíacos sofrem no setor de guloseimas
KATIA DEUTNER
da Folha de S.Paulo
Encher o carrinho de supermercado com massas, pães, bolos e bolachas sem glúten ainda é um sonho para os celíacos, nome dos portadores de doença celíaca.
Essa turma é proibida de ingerir glúten, substância bastante presente no setor de guloseimas, ou seja, em alimentos feitos com trigo, centeio, cevada ou aveia.
Comer em restaurante? Costuma dar um trabalhão aos portadores da doença. Em geral, o garçom desconhece a importância das indagações do cliente celíaco, sempre à procura de um prato sem glúten, e aí é preciso recorrer ao cozinheiro para se certificar dos pratos que não têm nem "sombra" de glúten.
"Os celíacos precisam tomar cuidado até para usar uma faca, por exemplo, que foi utilizada para cortar um pão com farinha de trigo", diz o nutricionista Cristiano Rigatto.
A boa notícia para essa população é que será lançada no Brasil uma linha de alimentos sem glúten -Glutafin, da marca Nutrícia-, importada da Holanda, Inglaterra e Itália.
São quatro tipos de massa, três tipos de bolacha doce, uma de salgada e farinha branca sem glúten. O preço das massas varia de R$ 8,60 a R$ 12,70 e o das bolachas, de R$ 5 a R$ 7,50. A farinha branca vai custar R$ 28 o pacote, segundo a Support Produtos Nutricionais, empresa que comercializará o produto aqui.
A intolerância permanente ao glúten exige do portador que ele siga uma dieta rígida e para a vida inteira. A substância provoca um efeito tóxico no intestino, comprometendo a absorção de alimentos. Se a dieta não for seguida com rigidez, pode gerar danos maiores ao intestino delgado, como câncer, por exemplo, explica Mauro Batista de Morais, chefe da gastropediatria da Universidade Federal de São Paulo.
De origem genética, a doença provoca diarréia por um período prolongado, problemas de crescimento, anemia, distensão abdominal, diminuição dos músculos da região glútea (bumbum), perda de apetite e de peso e, nos adultos, osteoporose.
A doença não tem cura, mas os sintomas desaparecem completamente com a dieta. "Geralmente, ela é detectada na primeira infância, até os dois anos de idade. Mas também pode ficar escondida por anos, sendo diagnosticada apenas na fase adulta, entre os 30 e os 50 anos", diz Morais.
Foi o que aconteceu com a artista plástica Nildes de Oliveira Andrade, 56. "O médico só desconfiou que eu era celíaca quando meu tratamento para a osteoporose não apresentou nenhum resultado", conta ela.
Nildes estava com uma taxa de osteoporose muito elevada, equivalente à de uma pessoa com mais de 70 anos, mas tinha apenas 49 anos.
"Após o diagnóstico, entrei em depressão e, se não fosse forte o suficiente, acho que teria cometido uma besteira", desabafa.
A história da empresária Marilis Maldonado Moraes, 40, é muito parecida com a de Nildes.
"Sempre fui uma criança anêmica, com baixo peso e um corpo pequeno. Lembro que, aos seis anos de idade, precisei até de uma transfusão de sangue", diz. Mas ela só descobriu que portava doença celíaca quando tinha 35 anos de idade.
"Durante dez anos, tratei dos sintomas como se fossem de uma colite crônica. Passei por vários médicos, e cada um dava um diagnóstico diferente. Fiz até tratamento psicológico porque acreditavam que a minha diarréia era de fundo emocional", relembra.
Hoje, Marilis, que chegou a pesar 32 kg no auge da moléstia, vive uma vida normal.
"Fiquei dois anos afastada do emprego para me recuperar. Nesse tempo, resolvi entender a doença e passei a produzir em casa algumas comidas prontas para o consumo." Resultado: Marilis acabou virando uma empresária de alimentos sem glúten.
Montou uma pequena fábrica, a Sem Glúten Marilis, e hoje comercializa mais de 40 produtos para celíacos.
Participar de festas às vezes também é complicado. Na categoria bebidas, por exemplo, a cerveja é totalmente descartada, pois há glúten na cevada, usada na fabricação da bebida. Para as crianças, há ainda mais limitações, já que as guloseimas das festinhas infantis costumam levar farinha.
Para driblar essa situação, a mãe da estudante Isabela de Freitas Quero, 16, fazia salgadinhos e até um bolo da mesma cor que o bolo do aniversariante. "Ela levava a minha festa particular", conta Isabela.
O seu difícil diagnóstico foi dado quando a menina tinha 11 meses de vida. "Percebi que ela estava emagrecendo, perdendo as forças. Tinha diarréias frequentes, e nenhum médico acreditava que ela estava doente.
Cheguei a consultar quatro especialistas em um único dia", conta a assistente social Maria Elizete de Freitas Quero, 45, mãe de Isabela.
Hoje a estudante leva uma vida absolutamente normal. "Saio com meus amigos e, quando não posso comer em algum lugar, só faço um "social".
Quero mostrar para as pessoas o lado bom da doença. Eu não sinto nada, apenas me alimento diferentemente", diz ela.
A dificuldade em encontrar produtos sem glúten e a necessidade de entender mais a doença e trocar receitas levou um grupo de pais a fundar a Acelbra (Associação dos Celíacos do Brasil), em 1985.
"Não sabemos ao certo quantos celíacos há no país, mas estimamos que são muitos. Somente na Europa, há um 1 em cada 200 habitantes", explica Regina Maria Bonini Franco de Oliveira, 49, presidente da Acelbra e mãe de celíaco.
"Estamos realizando um cadastro nacional para verificar a taxa de incidência, mas acreditamos que 1 ou 2 brasileiros em cada 1.000 tenham a doença", diz Regina, que passou para o Folha uma receita de farinha para satisfazer o desejo de celíacos por bolos, tortas ou pães sem glúten. Confira:
3 xícaras de farinha de arroz
1 xícara de fécula de batata
1/2 xícara de polvilho doce
Misture bem e guarde em um pote fechado. Para ser usada em pães, biscoitos, bolos e tortas.
Onde encontrar
Support: tel. 0800-551404.
Sem Glúten Marilis: tels. 0/ xx/11/ 6692-6244 e 0/xx/ 11/9946-1428.
Acelbra (Associação dos Celíacos do Brasil): tel.0/xx/ 11/5181-3518 (com Regina) e tel.0/xx/11/ 6641-0032 (com Nildes).
Publicado na Folha.com em 29/11/2001.
sem glúten