AMARÍLIS LAGE
JULLIANE SILVEIRA
da Folha de S.Paulo
A receita desta reportagem foi elaborada pela equipe do renomado chef catalão Ferran Adrià para conquistar um público difícil. Não se trata de críticos gastronômicos. Tampouco de funcionários do Guia Michelin, conhecido por seu ranking de melhores restaurantes. O público-alvo desses pratos são pacientes com câncer. Adrià preside o conselho curador da Alícia, uma fundação destinada a estudar a relação entre alimentação e ciência.
Estima-se que cerca de 50% desses pacientes fiquem desnutridos em algum momento da doença. Na hora do diagnóstico, até 60% dos que sofrem de tumores gastrointestinais, de cabeça, do pulmão ou do pescoço já estão malnutridos, segundo dados apresentados no 4º Simpósio Internacional de Nutrição da Nestlé, no final de 2007, em Lausanne (Suíça).
A equipe da Alícia desenvolveu um livro de receitas em parceira com a AECC (associação espanhola contra o câncer) --a idéia foi adaptar o menu de Adrià de forma a minimizar conseqüências comuns da quimio e da radioterapia, como náuseas, prisão de ventre e inflamações da boca.
Além da inapetência de fundo emocional, fatores orgânicos levam à perda da massa magra e para a desnutrição. "O tumor aumenta a demanda por nutrientes, pois usa as reservas do corpo", diz o nutricionista Nivaldo Barroso de Pinho, chefe do serviço de nutrição do Inca (Instituto Nacional de Câncer).
Infecções, dores e desconfortos causados pelo tratamento também contribuem. "Alguns tumores podem comprimir parte do sistema digestivo e dificultar a ingestão de comida", diz o oncologista André Murad, chefe do serviço de oncologia do Hospital das Clínicas da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais). A doença pode desregular o controle de apetite no sistema nervoso central e gerar resistência à grelina, hormônio responsável pela sensação de fome. Estresse e inflamações, em alguns casos, superestimulam os mecanismos de saciedade.
Por isso, pacientes com câncer devem buscar alimentos ricos em proteínas e calorias. "Estamos no caminho para descobrir quais fontes alimentares podem ajudar no estoque de nutrientes. Os alimentos devem ter densidade e valor energético altos", disse à Folha Pierre Dechelotte, professor de nutrição clínica do Hospital Universitário de Rouen, na França.
O especialista sugere enriquecer purês, de fácil digestão, com azeite, leite em pó, iogurte ou ovos para aumentar o teor protéico e calórico da refeição.
O problema, segundo Elena Roura, do Alícia é que uma alimentação composta apenas por purês se torna tediosa para o paciente. É aí que entram as pesquisas de Ferran Adrià, conhecido por suas experiências com diferentes texturas. "Um exemplo são as espumas, que permitem às pessoas que têm de levar uma alimentação em forma de purê uma outra textura", disse Roura à Folha, por e-mail.
Outro aspecto importante, diz, é a temperatura do prato --muitas receitas desenvolvidas são frias. "As náuseas são comuns em pacientes com câncer, e o cheiro dos alimentos pode piorá-las. Os alimentos frios, que não exalam tanto odor, são mais apetecíveis para essas pessoas. Além disso, muitas ficam com a boca seca, e a comida fria dá uma sensação de frescor."
Ômega 3
Segundo Murad, da UFMG, há evidências científicas de que o ácido graxo EPA, derivado do ômega 3, reduz as respostas inflamatórias e pode ser receitado como suplemento. Em casa, o paciente pode consumir peixes ricos nesse nutriente, grãos e cereais, preferencialmente preparados com azeite de oliva.
Ele sugere evitar alimentos ricos em açúcar, carnes vermelhas e leite integral, já que a intolerância à lactose é comum.
"Os pacientes devem buscar uma dieta balanceada antes da radioterapia ou da quimioterapia pois, durante o tratamento, é mais difícil atingir as metas de ingestão", alerta Dechelotte.
Especialistas brasileiros acreditam que uma deficiência nutricional pode gerar complicações pós-operatórias e demora na recuperação. "Antes de ir para a mesa de cirurgia, o paciente deve receber orientação nutricional", sugere De Pinho.
Para complementar a alimentação, podem ser indicadas fórmulas nutricionais específicas. Para Dechelotte, esses produtos são de fácil digestão e oferecem grande quantidade de proteínas em pequenos volumes de alimento e devem ser usados entre as principais refeições para aumentar o aporte calórico.
2 ovos
12 aspargos verdes
4 fatias de "jamón serrano"
Azeite de oliva
2 colheres de azeite de oliva
3 avelãs
3 amêndoas
1 colher de pinhões
Ovos fritos com aspargos e "jamón serrano"
Frite o "jamón" no fogo muito brando, colocando as fatias finas em uma frigideira sem azeite, até que fique crocante. Corte, salgue e salteie as pontas dos aspargos. Frite os ovos em azeite de oliva. Para o azeite de frutas secas, pique as avelãs, as amêndoas e os pinhões e misture ao azeite de oliva. Monte o prato com o ovo no centro, os aspargos de um lado e o 'jamón' entre os aspargos e regue com o azeite de frutas secas.
Dicas:
Receita do livro "Alimentación y Cáncer". A repórter Julliane Silveira viajou a Lausanne a convite da Nestlé.